
Sabe qual é o pior tipo de solidão? É sentir-se só rodeado de muitas pessoas. Já se sentiu assim? Eu acredito que sim. Eu sempre me sentia assim. Não ter ninguém para desabafar, para dividir meus mais íntimos pensamentos e dúvidas. A matéria do qual sou feito não é o aço, por isso sinto necessidade de companhia, amigos para àquelas horas de incertezas (e como tenho isso!), para aqueles momentos que quero gritar, chorar ou simplesmente receber um olhar de afeto. E não havia nenhum amigo que podia fazer isso porque ninguém sabia do que sentia (sempre criei uma blindagem a minha volta para que ninguém percebesse algo). Sempre me perguntava: será que não devo contar para alguém o que sinto? Chegou a um ponto que decidi contar para alguém meus dilemas, minhas dúvidas e incertezas e claro, a atração que sentia por homens (estava na fase em que acreditava que o que sentia era como uma doença, um disturbio emocional). Mas a dúvida era: em quem eu podia confiar?
Eu tenho um amigo, que vou chamar de Eder, e nessa época estávamos muito próximos, pois ele passava por sérios problemas pessoais e, como um bom amigo, havia me aproximado mais dele (li em algum lugar que um amigo é um irmão nascido para tempos de aflição e problemas). Decidi me desabafar com ele já que como o estava ajudando, ele também poderia me ajudar. Mas como falar para um amigo hétero convicto que você tem desejos por homens? Pensei várias formas de fazer isso, ensaiei mentalmente que palavras falar, como falar e quando falar. Um dia, me enchi de coragem e decidi abrir a caixa de Pandora. Liguei para ele e disse:
-“Eder, tem um assunto que está me preocupando muito, algo que me machuca demais e eu não sei o que fazer. Preciso desabafar com você.
-“Tudo bem, pode falar.”
- “Não, por telefone não. Vamos marcar um dia e eu te falo”.
-“Ok!”
- “Não, por telefone não. Vamos marcar um dia e eu te falo”.
-“Ok!”
Alguns dias depois ele estava em casa e decidimos comer uma pizza. Fomos eu e ele buscar a pizza. Chegando ao local e apos encomendarmos as pizzas, pegamos umas cervejas e sentamos em umas mesas no local aguardando as pizzas. Resolvi sondar a reação dele:
- “Eder, lembra do que te falei pelo telefone esses dias atrás?”
- “Lembro, você quer falar agora?”
- “Não, aqui não. Quero falar com você em um lugar em que estejamos a sós. O que vou te falar tenho certeza que vai te decepcionar.”
- “Me decepcionar? O que pode ser tão sério assim? Não vai me dizer que você está ficando impotente?” (esses héteros!!)
- “Não é isso não.”
- “Se não é isso, o que pode me decepcionar? Não me diga que você gosta de homens?”
- (. . .)
Sabe quando acontece nos filmes e séries que alguém fala ou faz algo e então surge um lapso de tempo, parece que o tempo congela? E agora?
- "E se for isso, o que você diria?”
- “Eu diria que você precisa de ajuda, um médico ou psiquiatra talvez.”
- “É . . . , vamos conversar sobre isso com mais calma”, tentei ao falar isso encerrar o assunto e me recompor da reação que, sinceramente não esperava.
E agora, continuava ou abortava a tentativa de contar para ele? Decidi que não podia abortar a idéia, seria pior já que ele concluiria que era exatamente o que ele havia pensado e eu não teria a oportunidade de explicar minhas razões. Agora eu tinha de falar. E falei. Alguns dias depois, um sábado, combinamos de ir ao cinema à noite, só nós dois, e a tarde pudemos ficar sozinhos por algumas horas e então contei tudo relacionado ao meu desejo por homens, pedindo antes a ele que jurasse que não contaria o que eu iria falar a ninguém. Ele prometeu silêncio e eu contei, desde quando era pequeno, minha adolescência, passando pelo meu casamento e minha vida atual. Ele ouvia, perguntava o que não entendia e não demonstrava reação de desaprovação (fez algumas ligações com atitudes minhas, tipo assim “bem que eu percebi que você tinha um jeito diferente”). Me senti bem por ter contado e gostei da reação dele também. Dias depois, perguntei a ele se havia mudado o conceito que tinha sobre mim e ele disse que não, que me via como alguém que tem um problema como todos têm, só que um problema bem diferente. Queria até perguntar a outras pessoas (sem citar meu nome) como ajudar alguém com esse problema. E eu gostava dessa preocupação para comigo. Me sentia protegido.
E os meses passaram e o tempo com sua implacável maneira de conduzir os assuntos agiu. Ele começou a namorar uma prima minha e com isso comecei a sentir que ele se afastava de mim. Alguns meses depois se casaram, mas embora morassem perto de nós, raramente o via. Um dia mudaram para um pouco mais longe e praticamente não nos víamos mais (as ocasiões em que nos encontramos são festas e almoços de família). Ele não me telefonava (só quando precisava de algo), não mandava email, carta, bilhete, pombo correio, aviso de fumaça, nada. E eu também não o procurava. Pensei até que fui usado, uma maneira dele se aproximar de minha família com o objetivo de ver minha prima (ela era uma paixão antiga dele). Me mortifico na dúvida se ele contou meu segredo para ela ou para outra pessoa. Mas nas vezes em que nos encontramos, não toco no assunto. Sinto que ele se distanciou de mim e respeito isso. Sinto que existe entre nós um velado pacto de silêncio. E com isso voltei a condição inicial: a solidão, cercado de pessoas.
Mas ultimamente tenho um alento. São vocês meus brothers, meus companheiros da jornada subterrânea que é a nossas vidas. Através da net tenho feito amizades com homens de vários lugares, pessoas de várias formações e idades, mas que são como eu em ter uma “second life”, estando em vários estagios nessa condição. E eu não tenho vergonha de dizer: preciso de vocês, anseio seu conselho, espero sua bronca, conto com sua palavra amiga, necessito de seu olhar de afeto virtual, quero conhecer a sua história. Acredito que cada pessoa possui uma história fascinante, independente de erros e acertos, vitórias e derrotas. Sou um pouco antropofágico, me alimentando das histórias de pessoas, suas experiências de vida, sua personalidade. Absorvo de outros aquilo que acredito que me fará um ser humano melhor. Porisso, nunca é demais ter amigos, principalmente quando estes nos entendem e vivem os nossos mesmo dilemas. Com certeza seria muito melhor tê-los fisicamente ao meu lado (com um desses novos amigos isto já está acontecendo), mas não podemos ter tudo na vida não é? Me contento em que estejam virtualmente comigo. Vocês estão comigo, não estão?